segunda-feira, 4 de julho de 2011

PERDOA, MEU AMOR, VOLTEI.

Hoje, aqui no SAMBA DE SILAS, temos a honra de compartilhar um texto maravilhoso do nosso querido  NEI LOPES que é escritor, compositor, pesquisador das culturas da Diáspora Africana e advogado. Além dos sambas deliciosos e de grande sucesso que fazem a alegria dos nossos ouvidos é defensor e ativo participante do movimento pela igualdade de direitos da raça negra. 
Obrigado, NEI LOPES, pela emocionante história contada!

Vou contar a história como me contaram. Mesmo porque, quando Silas partiu, eu estava apenas iniciando minha carreira profissional de compositor. E minhas relações com o Império, antes disso, se limitavam a colegas de infância e de escola, como o Vevel (Vandervel) e o Daúde; ou a amigos de meus irmãos, como o saudoso Almyr Mendonça, grande baluarte da Ala da Corte, seu irmão Venino (Irajá, rua Samim) e outros.
Não tive jamais o prazer nem de ter visto o legendário Silas. Mas suas histórias eram de domínio público, muitas delas certamente inventadas ou aumentadas, como talvez esta aqui.
Dizem que um dia, o Poeta brigou com Dona Elane, sua companheira de toda a vida, e se pirulitou, foi embora. Ou foi mandado, não sei bem.
Nesse exílio, tomou todas, escreveu todas, chorou todas. Até que semanas ou meses depois, voltou. Mas não pra casa, e sim pro ensaio do Império – talvez naquela casinha velha da antiga Estrada Marechal Rangel (hoje Ministro Edgar Romero) onde a escola, mais dura que um coco, se albergou no final dos anos 50. Talvez.
Em lá chegando, Silas, devidamente calibrado, subiu no palanque e pegou a boca-de-ferro. E mandou um daqueles sambas que pegam na veia, do tipo “perdoa, meu amor, voltei, porque voei mas sem sair do lugar onde deixei meu coração”.
Contam que o silêncio e o respeito dos componentes diante daquela obra-prima, daquele samba genial e comovente, foi total. E, aí, no fim, antes mesmo de ele dizer o protocolar “obrigado, bateria”, uma mulatona sofrida, mas bonita, saía lá do meio do terreiro, correndo e chorando, dava uma gravata no Poeta, sapecava-lhe um beijo na bochecha e arrastava ele pra casa.
Era Dona Elane. Dizem.

Nei Lopes
(ex-integrante da Ala de Compositores e da Velha-Guarda do G.R.E.S. Acadêmicos do Salgueiro)


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