sexta-feira, 19 de agosto de 2011

O SAMBA SEM REGULAMENTO

    A primeira competição entre sambistas que se tem notícia aconteceu no bairro do Engenho de Dentro, na casa de um sambista e macumbeiro conhecido como Zé Espinguela, que frequentava muito a Mangueira. O compositor Cartola, não se lembra em que ano aconteceu a competição, mas se recorda, inclusive, que Zé Espinguela levou depois as escolas para a Praça Onze: 
- Ele tinha uma amante aqui em Mangueira. Era casado mas tinha uma amante por aqui. Não saía daqui. Esse negócio de concurso de samba quem inventou foi ele. Era macumbeiro e fazia todos os anos na casa dele, no Engenho de Dentro, uma festa no dia de São Sebastião. Ele misturava roda de samba com macumba, tinha comida, tinha bebida, aquela coisa toda. E inventou um negócio que era o seguinte: fazer um samba. Ele dizia assim: "Eu quero um samba com a palavra tal". Eu fiz, o Paulo da Portela fez, o Heitor dos Prazeres, o falecido Agenor. Daí, ele inventou um concurso na Praça Onze.
    Juvenal Lopes, antigo mestre-sala da Escola de Samba Deixa Falar, integrante da União do Estácio e, nos anos 60, presidente da Escola de Samba Estação Primeira de Mangueira, em depoimento gravado que prestou ao seu filho Pedro Paulo, falou de Zé Espinguela.
- Grande sambista e sapateador, um mulato alto, era casado no Engenho de Dentro com uma senhora que tinha uma Casa de Santo. E tinha uma mulher por nome de Joaninha, irmã da Mariazinha, da Alzira Dente de Ouro e Ambrozina, umas mulatas danadas no samba. Essa Mariazinha tocava tudo que era instrumento de corda. No partido alto, ela pegava no cavaquinho e violão e tocava:
"Oi não me mate, nega
Não me mate, não
Oi não me mate, Teresa,
Do meu coração coração
Mas não me mate."
- Eu gostava quando a Joaninha cantava com a Mariazinha e o Zé Espinguela só no sapateado.
    Juvenal Lopes lembra-se que cantar, tocar e dançar samba em casas de macumba era um recurso que os sambistas aplicavam para enganar a polícia que acabava sempre com as rodas de samba e tem várias histórias sobre esse tipo de perseguição: 
- Por uma ocasião, passando pela Mangueira, apanhei Teresa, uma crioula que tocava violão, peguei o Aristides que também tocava violão e muitos outros instrumentos de corda e que depois andou muito pelo Catete (...) Fomos para o Morro do Urubu, onde havia uma macumba. Havia uma sessão e nós ficamos do lado de fora cantando samba e esperando acabar a macumba. Me lembro até que estava um frio miserável, era junho, época de São João, inclusive era festa de Xangô. Embora não participássemos da macumba, fomos servidos com uma bandeja com pão-de-ló, canjica e pão com manteiga. Quando terminou a macumba, a Teresa chamou a gente com um samba:
Acorda, acorda
Quem está dormindo acorda
Na fé de Deus
Acorda, acorda
A bença, a bença
Boa noite, boa noite
- Era um tal de apanhar instrumentos, pandeiros, pratos com faca, que o samba estava começando (...) Quando o samba estava na melhor, bateram na porta dizendo que não adiantava fugir pois a casa estava cercada. Ninguém corre. Aí, por causa do samba, o delegado Abelardo da Luz, colocou a gente da casa pra fora (...) Descemos e andamos a pé, do Morro do Urubu até o 23 Distrito, que naquele tempo era em Madureira, de baixo do pau e de bengalada. E o delegado obrigando a gente a cantar o samba sem parar. tinha que cantar no ritmo. Ou cantava no ritmo ou levava bengalada.
    Juvenal Lopes volta para Zé Espinguela:
- Ele organizou um concurso na sua casa do Engelho de Dentro, na Rua Borja Reis. Compareceram representantes do Estácio, da Mangueira, de Oswaldo Cruz e da Favela. Me lembro que o pessoal do Estácio foi desclassificado porque apareceu de gravata e de flauta. Seu samba era assim:
De que tanto choras
Se não estás sentida
As lágrimas que vertes
São fingidas
Eu tenho certeza
Que não vou te perdoar
Chora, meu bem, chora

    O samba da Mangueira era do falecido Arturzinho Faria:
Eu quero é nota
Carinho e sossego
Para viver descansado
Cheio de alegria, meu bem
com uma cabrocha ao meu lado

    O samba de Oswaldo Cruz era do Paulo da Portela:
Avante mocidade
É hora
Vamos fazer nosso progresso
Vamos deixar correr
A fama suburbana
Por todo esse universo
Universo
O samba harmonioso é lindo
E para ter maior valor
Vamos por em linha de frente
E para ter maior valor
Vamos por em linha de frente
Para presidente
O Mano Claudionor

    Em Oswaldo Cruz, desde os anos 20, havia também uma casa, na Rua Adelaide Badajós, que era uma espécie de clube de samba. Era a casa da tia Ester - Ester Maria da Cruz - uma baiana que fundou, inclusive, um grupo carnavalesco, o Bloco Quem Fala de Nós Come Mosca, que depois se juntou com o bloco de Paulo da Portela, Baianinhas de Oswaldo Cruz, saindo daí o Vai Como Pode, e mais tarde, a Portela.
    O compositor Candeia, nascido em 1935, não conheceu os primeiros tempos da casa da Tia Ester, mas se   lembra perfeitamente das festas que ela continuava promovendo quando ele já era menino. Afirma Candeia:
- Para mim, ela é uma espécie de Tia Ciata. A casa dela era um casarão enorme, em Oswaldo Cruz, onde abrigava todo mundo e dava os seus pagodes. Era baile de regional e roda de samba. O Jair do Cavaquinho foi criado lá. Chegava alguém pedindo pão ou uma guarida, Dona Ester abrigava todo mundo até que se arrumasse na vida. Naquela época, Oswaldo Cruz não tinha cinema, teatro, nada disso. Por isso, a casa da Dona Ester era uma espécie de centro de Oswaldo Cruz, onde as pessoas iam se divertir. Me lembro de ter visto na casa dela o Zé com Fome, o Luperce Miranda, o Claudionor Cruz, uma porção de gente assim.
    Zé Espinguela e Tia Ester não deixaram nenhum samba de sucesso. Mas se deve a eles, sem dúvida, muita coisa que se inseriu na história das escolas de samba.
(CABRAL, Sérgio. Coleção História das Escolas de Samba. Vol 2. Som Livre. Rio de Janeiro, 1976. Adaptado por Carol Gallego)

Zé Espinguela: sambista e macumbeiro. Aquele que iniciou os trabalhos lá no Engenho de Dentro.










quarta-feira, 3 de agosto de 2011

Passeando por Vaz Lobo

Nada melhor do que beber direto da fonte.
Eu, como historiadora, nessa jornada de valorização das obras de Silas, me senti na obrigação de ver de perto, sentir o clima do lugar onde Silas nasceu, viveu grande parte da sua vida e deixou seu legado. Estou falando de Vaz Lobo, bairro que fica pertinho de Madureira, lugares que praticamente se misturam e trasbordam muito da  cultura carioca, pelo seus ritmos, casas, morros e sua presença nos principais e melhores carnavais.
O primeiro lugar que Junior de Oliveira e eu visitamos foi a sede da G.R.E.S UNIÃO DE VAZ LOBO, escola de samba que contou muitas vezes com a presença e o apoio de Silas de Oliveira, lá Dona Elane, sua esposa, colocava sua voz como pastora e sua filha Marilena chegou até a desfilar.
A escola foi fundada em 1930, é uma das mais antigas escolas de samba do Rio de Janeiro, inclusive participando de alguns desfiles na Praça Onze, porém, nunca foi devidamente reconhecida por não fazer parte dos carnavais dos principais grupos. 
Hoje a escola vive uma revitalização, sua sede encontra-se em obras e para quem vai a Madureira, ela quase passa despercebido. 
Mais a frente, em Madureira, fomos até a rua Maroim, que a partir de 1972, por um Projeto de Lei passou a ser chamada de Rua Compositor Silas de Oliveira, homenagem feita pela Prefeitura e Bairro de Madureira ao nosso glorioso Silas. A placa da rua encontra-se em péssimo estado, assim como a rua em si. Ao final dela fica o Morro da Serrinha, palco de várias manifestações culturais de grande importância a começar pelo Jongo. 
Creio que escrever sobre Vaz Lobo, Madureira e Serrinha foi tão importante quanto fotografar este lugar que parece parado no tempo, como se o próprio tempo de vontade própria, quisesse ser estático por lá para que suas memórias fiquem para sempre pregadas às ruas, vielas e morros daquele povo. 
(Carol Gallego, historiadora e amante da cultura brasileira)

Símbolo da G.R.E.S União de Vaz Lobo

Frente da sede (em obras) do G.R.E.S União de Vaz Lobo

União de Vaz Lobo

Parte da sede do G.R.E.S. União de Vaz Lobo

Sala da bateria União de Vaz Lobo

Instrumentos União de Vaz Lobo

Instrumento doado à escola pelo Império Serrano

Eu, Narinha e Helen (Mestre de Bateria)

Eu, Narinha, Gamo (Diretor) e Rodnei (Timbau)

Junior, Helen, Rodnei e Gamo - União de Vaz Lobo

Placa da rua Compositor Silas de Oliveira

Rua Compositor Silas de Oliveira

Rua Compositor Silas de Oliveira e ao fundo Morro da Serrinha
Esquina da rua Compositor Silas de Oliveira com Avenida Edgar Romero


Em Vaz Lobo, rua Antônio dos Santos, o Mestre Fuleiro, um dos fundadores do Império Serrano

Rua Professor Burlamaqui, onde Junior passou a infância

Casa onde Junior morou em Vaz Lobo

Como eu disse, o tempo ali parece que parou e muito se pode aprender com isso...
(Fotos: Carol Gallego e Junior Oliveira)