sábado, 23 de julho de 2011

Império Serrano e seus tesouros...

  "Quando se fala em Império Serrano como uma espécie de quilombo do samba não se trata de mera abstração. A escola nasceu, em 1947, com os atuais nome, cores e jeito de ser, mas é muito mais antiga, contemporânea de Estácio, Portela, Mangueira, com data de nascimento nos anos 1920. Tinha o nome Prazer da Serrinha, mas era uma escola com dono, Antonio Costa, que mandava e desmandava, fazia o que queria com a agremiação, desprezando a já consciente comunidade da Serrinha. Dizem os historiadores da escola que, em 1946, seu Antonio chegou ao cúmulo de proibir que se cantasse o samba eleito pela comunidade, 'Conferência de São Francisco' (da maior dupla de sambas-enredos da história, Silas de Oliveira e Mano Décio), por não concordar com a decisão.
  Foi então que, liderando a turma revoltada do Prazer da Serrinha, Sebastião de Oliveira, que passaria à história como Molequinho, propôs a dissidência e, unindo-se às turmas de outras agremiações da comunidade - a Unidos da Congonha e a Unidos da Tamarineira - criou o glorioso Império Serrano sob o signo da democracia. Sintomaticamente, a reunião de fundação foi na casa da Tia Eulália de Oliveira, negra vinda de Minas (Além Paraíba), de origem rural e que tinha o jongo no coração. Essa casa ainda existe, é um marco na Serrinha. Quem ouve a viola caipira do samba 'Todo menino é um rei' (do imperiano Zé Luiz e do baiano Nelson Rufino), na introdução da gravação do igualmente imperiano Roberto Ribeiro, não está, como se  vê, delirando. A origem do samba do Império vem do mundo rural.
  E no Império está a mais perfeita linhagem do samba-enredo que, se tinha Silas de Oliveira (autor de clássicos dos clássicos: 'Os cinco bailes da história do Rio', 'Aquarela brasileira', 'Heróis da Liberdade', só para falar dos três mais celebrados) e Mano Décio da Viola (o que dizer de 'Tiradentes', o primeiro samba, em 1949, a extrapolar os limites do carnaval e ganhar o mundo?), hoje está vivíssima em Aluízio Machado, vencedor de sete sambas-enredos na escola da Serrinha, entre os quais 'Bumbum paticumbum prugurundum'. (...)
  É no Império, com sua sábia prudência, a cadenciar o samba para que ele evolua com rigor rumo ao futuro. E se no samba-enredo a tradição continua, em uma outra vertente cara ao samba imperiano, a do partido-alto, isso também acontece. Se antes havia Nilton Campolino, falecido em 2001 depois de muito versar em partideiros, como 'Delegado Chico Palha' (feito nos anos 1940, em parceria com Tio Hélio, mas sucesso na voz de Zeca Pagodinho apenas em 2000), hoje tem Arlindo Cruz, um dos representantes imperianos na revolução do Cacique de Ramos e no samba que toca no rádio, frequenta a TV, pode ser comprado em CDs e DVDs de sucesso. Pois é, o Império sempre soube fazer sucesso..."

(BLANC, Aldir; SUKMAN, Hugo & VIANNA, Luiz Fernando. Heranças do samba. Rio de Janeiro: Casa da Palavra, 2004)


quinta-feira, 14 de julho de 2011

Jornalista Daniel Brunet conta um pouco sobre SILAS DE OLIVEIRA...

O jovem e talentoso jornalista de "O Globo", Daniel Brunet, nos deu a honra de sua presença através de um texto maravilhoso!!!! Confiram...



Ouvindo Silas
                                                                                                Por Daniel Brunet


Falar de Silas de Oliveira é complicado para quem nasceu dez anos depois de sua morte. Talvez a maioria das pessoas da minha geração tenha "conhecido" Silas ao ouvir "Aquarela brasileira".
"Legal a música. Quem fez?. Silas de Oliveira? Bom saber..."

Foi assim. E o que mais me impressionou nessa descoberta foi a data da composição: 1964!
Pensei: "só um samba muito bom atravessa décadas". A partir daí quebrei uma ilusão que carregava, de que coisa boa era coisa nova, moderna.
Passei a ouvir mais, "Aquarela brasileira" e tantas outras obras do grande mestre do Império Serrano, como a bela "Meu drama", samba que emociona quem vive de roda em roda. E assim fui conhecendo Silas de Oliveira.

No final da década de 60, veja só, Silas foi um dos que criticava a nova forma de fazer samba, com o andamento mais acelerado. Talvez, se vivo estivesse hoje, faria o mesmo comentário que ouvi de Monarco, no último dia 21 de junho, num debate no CCBB, no Rio.

Ao ser perguntado sobre o samba-enredo de hoje em dia, o baluarte foi econômico: "Não é pra mim, não. Mas apoio a rapaziada que tá fazendo".

E ao falar de grandes sambas-enredo, citou, claro, Silas de Olveira, sem poupar elogios. Contou uma história que espero lembrar pra sempre. Um lado de Silas de Oliveira que ainda não tinha ouvido ninguém falar. Bem, Monarco contou:

"Eu adorava ficar ao lado do Silas quando ele estava bêbado. Era impressionante, pois ele gostava de ficar falando, falando. E falava umas palavras que eu nunca tinha ouvido antes, não sabia o que significavam. Mas o Silas sabia, era muito inteligente. Fazia samba como ninguém; era bom de letra e bom de melodia".

A inteligência, conhecimento e sabedoria, Silas derramou em seus sambas. São herança deste mestre, herança que pode ser desfrutada até por quem não leva Oliveira no nome, mas carrega no peito o mesmo amor pelo ritmo que o consagrou. Suas obras resistem às décadas, porque Silas, mesmo sem saber, não fazia apenas música, produzia clássicos. E este espaço virtual que agora surge cumpre um papel muito importante. O de dar às futuras gerações a chance de conhecer as linhas deste que foi o grande escultor de samba-enredo do Rio.

Depois de ouvir os relatos de Monarco deixei o CCBB com a certeza de que, seja sóbrio ou embriagado, é sempre muito bom ouvir Silas de Oliveira

segunda-feira, 4 de julho de 2011

PERDOA, MEU AMOR, VOLTEI.

Hoje, aqui no SAMBA DE SILAS, temos a honra de compartilhar um texto maravilhoso do nosso querido  NEI LOPES que é escritor, compositor, pesquisador das culturas da Diáspora Africana e advogado. Além dos sambas deliciosos e de grande sucesso que fazem a alegria dos nossos ouvidos é defensor e ativo participante do movimento pela igualdade de direitos da raça negra. 
Obrigado, NEI LOPES, pela emocionante história contada!

Vou contar a história como me contaram. Mesmo porque, quando Silas partiu, eu estava apenas iniciando minha carreira profissional de compositor. E minhas relações com o Império, antes disso, se limitavam a colegas de infância e de escola, como o Vevel (Vandervel) e o Daúde; ou a amigos de meus irmãos, como o saudoso Almyr Mendonça, grande baluarte da Ala da Corte, seu irmão Venino (Irajá, rua Samim) e outros.
Não tive jamais o prazer nem de ter visto o legendário Silas. Mas suas histórias eram de domínio público, muitas delas certamente inventadas ou aumentadas, como talvez esta aqui.
Dizem que um dia, o Poeta brigou com Dona Elane, sua companheira de toda a vida, e se pirulitou, foi embora. Ou foi mandado, não sei bem.
Nesse exílio, tomou todas, escreveu todas, chorou todas. Até que semanas ou meses depois, voltou. Mas não pra casa, e sim pro ensaio do Império – talvez naquela casinha velha da antiga Estrada Marechal Rangel (hoje Ministro Edgar Romero) onde a escola, mais dura que um coco, se albergou no final dos anos 50. Talvez.
Em lá chegando, Silas, devidamente calibrado, subiu no palanque e pegou a boca-de-ferro. E mandou um daqueles sambas que pegam na veia, do tipo “perdoa, meu amor, voltei, porque voei mas sem sair do lugar onde deixei meu coração”.
Contam que o silêncio e o respeito dos componentes diante daquela obra-prima, daquele samba genial e comovente, foi total. E, aí, no fim, antes mesmo de ele dizer o protocolar “obrigado, bateria”, uma mulatona sofrida, mas bonita, saía lá do meio do terreiro, correndo e chorando, dava uma gravata no Poeta, sapecava-lhe um beijo na bochecha e arrastava ele pra casa.
Era Dona Elane. Dizem.

Nei Lopes
(ex-integrante da Ala de Compositores e da Velha-Guarda do G.R.E.S. Acadêmicos do Salgueiro)